Em 17 de março, horas depois de publicar em seu site documentos confidenciais que mostravam até que ponto o banco Barclays havia ido em seus esforços para reduzir os impostos que paga no Reino Unido, o jornal The Guardian foi instruído por um juiz a remover o material. O argumento era o de que o banco tinha direito a confidencialidade.
Na decisão, o juiz Nicholas Blake, de Londres, também acrescentou uma cláusula peculiar: o Guardian estava proibido de informar aos seus leitores como era fácil encontrar os documentos publicados em sites fora do país. Esse foi apenas o mais recente exemplo do esforço dos tribunais britânicos para preservar o que vêem como direitos dos litigantes diante do maremoto de informações da internet. Para alguns esse pode ter sido o último desses esforços, e fútil como todas as tentativas precedentes.
Infelizmente para o tribunal, o material estava disponível, entre outros locais, no site wikileaks.org, que também está veiculando cópias dos documentos do Barclays.
No caso anterior, jornais britânicos como o Guardian fizeram questão de informar aos leitores onde poderiam encontrar online a lista que estavam proibidos de publicar. O mais absurdo veio quando os jornais publicaram em seus blogs posts de jornalistas que relatavam a experiência de ler o material proibido no wikileaks.
"A internet está expondo de forma clara a natureza ilógica de nosso sistema", disse Alan Rusbridger, editor do Guardian. "A tecnologia está muito adiante da lei, e a lei claudica atrás, tentando organizar uma resposta sensata".
O efeito da internet sobre as decisões judiciais não é questão exclusivamente britânica, diz Jonathan Zittrain, professor de Direito em Harvard e antigo professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Existe pelo menos um exemplo, ele diz, de um tribunal norte-americano que ordenou que um site não instalasse links para o conteúdo que havia sido instruído a remover. Mas ele acrescentou que "os tribunais britânicos talvez confiem um pouco mais em seu poder e se mostrem menos dispostos a ceder aos imperativos práticos".
O caso do Barclays representa um embate entre dois interesses, diz James Edelman, professor de Direito em Oxford e advogado especialista em leis de imprensa. Desde 1988, diz Edelman, a lei britânica vem conferindo forte proteção ao direito de confidencialidade, aplicando-o a terceiros, como o Guardian, que recebeu os documentos de outrem. Mas o "interesse público" de obter informações sobre o conteúdo dos documentos, ele afirmou, pode muitas vezes sobrepujar as considerações de confidencialidade.
Por fim, existe uma questão factual básica: o material já é de domínio público? E é quanto a isso que a internet complica o processo.
Os tribunais reconhecem, diz Edelman, que não faz sentido proibir a publicação de algo que já tenha sido amplamente disseminado. No caso do Barclays, o tribunal conduziu uma sessão fechada para determinar se o conteúdo já havia passado desse limite.
Rusbridger, que disse que ele também foi despertado de madrugada com a ordem de remover o material, caracterizou a cena: "Nós estávamos fingindo que, enquanto discutíamos aqueles segredos em um tribunal de Londres, ninguém mais os discutia em outros lugares".
A situação toda, ele disse, coloca os jornais "em uma posição de desvantagem única, da qual não nos é permitido discutir o que está sendo discutido alhures". Mas há razões para esperança, diz Rusbridger. Para a audiência, ele escreveu uma declaração de depoimento que inclui sumários do que os memorandos e a análise de um especialista em impostos contratado pelo Guardian continham, com o objetivo de explicar ao juiz por que a publicação dos memorandos servia ao interesse público. Esse material não foi afetado pela ordem.
O sumário de Rusbridger foi posteriormente publicado pelo Guardian.
Os memorandos que chegaram à imprensa vêm da divisão de mercados estruturados da Barclays, e foram enviados a um membro do Parlamento. Explicam arranjos complexos - com nomes como Project Berry e Project Knight - que envolvem, por exemplo, transações entre uma subsidiária do banco na Ilha de Man e a filial de um banco alemão no Luxemburgo. Tomados em conjunto, escreveu o Guardian, os documentos demonstram que a divisão está "envolvida há anos na criação de numerosos e engenhosos esquemas para evitar o pagamento de pesadas quantias em impostos".
John Varley, o presidente-executivo do Barclays, respondeu com um comunicado no qual afirma que o banco "cumpre as leis tributárias do Reino Unido e de todos os países nos quais operamos". Ele escreveu que sua empresa enfatizava o cumprimento de suas obrigações para com as autoridades tributárias britânicas.
Ele conclui afirmando que "estamos confiantes em que o vazamento de documentos não exporá nenhuma deficiência em nossas declarações e explicações às autoridades tributárias".
Ainda assim, de acordo com a agência de notícias Reuters o Barclays teria alegado que a publicação dos documentos poderia danificar seus negócios.
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